HONI – O DESENHADOR DE CÍRCULOS
“O que fazemos para nós mesmos morre connosco.
O que fazemos pelos outros permanece e é imortal.”
Albert Pike
A humanidade, nos seus primórdios, utilizava os contos, os adágios, as parábolas, as metáforas, para ensinar às gerações mais jovens a história da sua própria gente, dos antepassados míticos e heróicos, dos ciclos da vida e do uso dos valores morais. Há uma faceta do “EU”, da mente inconsciente, que apreende de uma forma simbólica e indirecta as características da existência que transcendem a dimensão racional e lógica. As histórias usam o imaginário, o lado criativo e ancestral do pensamento humano e permitem intuir nas metáforas um sentido profundo para a vida. A fantasia e o enredo de uma parábola ou de um conto vai além das palavras do texto escrito e produz um impacto, imprime na mente humana uma nuance que alimenta, como uma pequena luz, a dinâmica interna do subconsciente. Talvez por isso a função educativa/formativa das histórias são conhecidas de qualquer mestre. Também por isso elas me acompanham nas mais variadas situações de vida e de trabalho. Hoje trago-lhe uma velha história com mais de 1500 anos!
É uma história muito interessante do Talmud judeu, sobre um importante e conhecido sábio chamado Honi – “o desenhador de círculos”.
Conta a história que, um dia enquanto caminhava, Honi encontrou um velho homem a plantar uma alfarrobeira. Honi sabe que, com aquela idade, o homem já mais desfrutará da sombra da árvore e ainda menos do seu fruto. Surpreso com aquele comportamento pergunta-lhe se tem noção que aquela árvore só dará fruto daí a 70 anos. O velho homem responde-lhe que sim, mas que também não espera viver para ver a árvore dar frutos. E explica-lhe que quando nasceu já encontrou o mundo cheio de alfarrobeiras que haviam sido plantadas pelos seus antepassados, e que, com o seu gesto, apenas quer retribuir o gesto dos que antes dele fizeram o mesmo. Na verdade, estava a plantar, não para ele, mas para os seus filhos e para os filhos deles.
Concluída a conversa, Honi senta-se para descansar e meditar e que caí num sono profundo. Quando acorda, constata que no local onde tinha acabado de ver plantar uma pequena árvore estava agora uma alfarrobeira, grande e frondosa, na qual um jovem homem apanhava os frutos. Honi dirige-se a ele e pergunta- lhe: “Quem és tu? Foste tu que plantaste essa árvore?” e o homem responde-lhe: “Eu sou o filho do filho desse homem”. Estupefacto, apercebe-se que dormiu 70 anos e decide voltar a sua casa… mas quando lá chega, descobre que, durante o seu sono, o seu filho morreu e o seu neto era agora o dono da casa. E, para sua grande surpresa, quando diz quem é, ele não acredita e manda-o embora.
Honi vai procurar o seu antigo companheiro de estudo mas não o encontra. A sala de estudo que frequentava está agora cheia de outros sábios e de novos estudantes que invocam o nome de Honi como uma figura do passado, digna de grande respeito e admiração. Mas, mais uma vez, quando ele lhes diz: “Eu sou Honi”, não só não acreditam, como o ignoram.
Percebe então, que apesar de toda a sabedoria que construiu, deixou de ser admirado e reverenciado pelos sábios, já não tem companheiros, amigos ou família que o reconheça e com quem possa partilhar. Então Honi reza para morrer. O seu desejo é satisfeito e assim termina a história do desenhador de círculos.
Em tempo de confinamento, talvez muitos de nós, tal como Honi, tenham percebido que, independentemente das honras, dos cargos e das riquezas, uma vida sem interações sociais, sem família e sem amigos, não é uma vida digna de ser vivida. A vida sem os outros não faz sentido e morte torna-se um desejo. O que prevalece na vida não são os homens ou as mulheres que plantam da finitude da vida, ávidos da colheita. O que prevalece são as árvores plantadas e que permitirão aos outros colher, um dia, os seus frutos. Servir é muito diferente de servir-se.
Deixo em vós a história (re)plantada, com o desejo que o novo ciclo permita a arte de bem plantar!
Ana Freitas
ARA Norte